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Da internet para a sala de aula; da sala de aula para a internet: uma experiência profícua
Não há dúvida de que professores e professoras têm se engajado cotidianamente no intuito de propor plurais possibilidades didáticas – instrumentos, recursos, metodologias – no processo de ensino/aprendizagem em suas aulas. A busca incessante para “enfeitiçar” estudantes, fazendo com que se atentem com prazer aos conteúdos das aulas, não cessa. Exemplo desse fenômeno está nos usos de equipamentos e dispositivos digitais que facilitam nas relações dialógicas no momento de produção do conhecimento.
Entretanto, ao mesmo tempo em que as tecnologias digitais podem instrumentalizar docentes em seu métier, observa-se certas disputas por atenção, na maioria das vezes desproporcionais, de professores (as) com os aplicativos e plataformas como WhatsApp, Facebook, Instagram, Telegram e muitos outros. Os jovens da Geração Z, categoria formulada para dar conta daqueles (as) nascidos (as) a partir de 1995, momento de alvorecer da World Wide Web (WWW), estão encharcados (as) dessas novas tecnologias virtuais que fornecem acesso à rede mundial, mesmo reconhecendo que ainda precisa-se de maior democratização de acesso à internet (MISKOLCI, 2016). Nesse sentido, sempre ocorre de um aluno ou aluna parar um instante para olhar a postagem de uma amiga ou amigo na plataforma Facebook, além de enviar uma rápida mensagem para o (a) colega da turma ao lado através do WhatsApp.
Sabendo que esses (as) jovens costumam postar, compartilhar, dar prints, socializar por meio de chats, até mesmo quando presentes em sala de aula, propus uma aula que levaria todos (as) da internet para a sala de aula; da sala de aula para a internet. Foi assim que a aula do dia 25 de outubro do presente ano ocorreu, na turma do 3° ano do integrado do curso de Administração.
No planejamento da aula, indiquei que utilizaria um recurso exclusivamente digital: os memes. Memes, conforme assevera Alexandra Michele Alvares Andrade “são elementos digitais que mobilizam e despertam a atenção para os variados temas utilizando-se do humor e imagens. Eles podem ser entendidos como elementos de representação produzidos socialmente por indivíduos ou grupos sociais que neles, expressam seus traços culturais, ideologias e suas intenções” (2018, p. 49).
O tema da nossa aula era: O Brasil Democrático (1946-1964). Assim, busquei sintetizar todo o conteúdo dentro dos memes, oferecendo tons engraçados, irônicos e críticos à temática que seria abordada. Cabe salientar que os memes foram produzidos por mim, fornecendo a minha interpretação e apreciação sobre as questões abordadas.
Imagem 1: Meme produzido pelo professor Filipe Arnaldo Cezarinho sobre o período de Eurico Gaspar Dutra como presidente do Brasil. Fonte: Próprio autor.
Em suma, a imagem tensiona um contexto histórico importante da política econômica adotada por Dutra, além do seu emparelhamento ideológico aos EUA, rompendo qualquer diálogo com a União Soviética. Como sabemos, essas duas potências vivenciavam a Guerra Fria. Antes de tratar do assunto, os (as) alunos (as) foram provocados (as) a dizer o que viam no meme, tanto em sua condição imagética quanto textual. Obviamente que os risos vieram à tona, oferecendo maior ludicidade à aula.
Nota-se que a estratégia pedagógica do meme é primorosa, pois, como afirmou Diego Leonardo Santana Silva (2019, p. 167), “ela tem a função de expressar uma ação seja ela de felicidade, tristeza, ironia, irreverência etc. Sendo assim, uma imagem pode ser inserida e compreendida em contextos variados, sendo transmitidas em diferentes espaços e absorvidas em ambientes distintos”. Dessa forma, esses expedientes são propícios para receber conteúdos de disciplinas diversas como História, Geografia, Matemática, Física, Química, Português, Inglês, Sociologia, Filosofia e muitas outras. É um meio democrático.
Imagem 2: Meme representando o período de João Goulart (Jango) no poder. Fonte: Próprio autor.
Na imagem acima, são retratadas as posições de classe que foram energizadas no governo Jango, visto que suas ideias de Reformas de Base reconfigurariam por completo as estruturas sociais no Brasil. Com isso, os setores conservadores e elitistas viram com péssimos olhos a empreitada proposta pelo Jango; enquanto as classes populares e trabalhadoras brilhavam os olhos para o estabelecimento do equilíbrio e justiça social no país.
Assim a aula se sucedera...
No momento de avaliar a turma com alguma atividade que pudesse diagnosticar o processo de aprendizagem, solicitei que fizessem a leitura do tema da aula (no livro didático) e que produzissem um meme levando em conta a passagem do texto que mais chamasse sua atenção. Essa forma de atuar foi fundamental. Permitiu que o (a) estudante tivesse liberdade de escolha no momento de executar sua tarefa. Assim feito, indiquei os passos para execução da atividade:
Atividade - Da sala de aula para a internet Objetivo: Fomentar habilidades nos usos de tecnologias digitais para divulgação do conhecimento em História.
Justificativa: Tendo em vista que a divulgação do conhecimento histórico vem sendo realizada através de suportes variados, não mais exclusivamente pelo texto impresso, torna-se importante a assimilação de novas possibilidades para publicização da produção histórica.
Procedimentos para criação do Meme: 1 – Definição do tema; 2 – Elaboração crítica e irônica do conteúdo; 3 – Acessar o site https://imgflip.com/memegenerator para confecção do meme; 4 – Escolha da imagem; 5 – Publicação de seu meme em sua rede digital.
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Como pode-se observar, disponibilizei um link (item 3) que levaria os (as) alunos (as) para o site específico de confecção de memes. O resultado, recolhido no dia 10 de novembro, foi surpreendente. Depois de analisar e avaliar um por um, constatei que todos (as) da turma tinham conseguido fazer o exercício. Não apenas isso. Ficou evidente que cada estudante trazia pontos distintos do conteúdo. Ora, isso revela que o professor não pode esperar por respostas esperadas. A grande virada estava na criatividade de produção de seus memes e na explicitação do conteúdo ensinado em sala de aula.
Os estudantes foram levados, enquanto estratégia de divulgação de suas produções, a compartilhar seus memes em suas próprias redes digitais. Deixo aqui alguns resultados:
Imagem 3: Alusão às contradições democráticas presentes na carta de 1946. Fonte: Elaborado pelo estudante Ronan Martins do 3º ano de Administração - IFAM/Maués (2021).
Imagem 4: Alusão à posição do governo Dutra com relação aos trabalhadores. Fonte: Elaborado pela estudante Ana Caroline Mendes do 3º ano de Administração do IFAM/Maués (2021).
Imagem 5: Alusão ao golpe de 1964 que derrubou o presidente João Goulart. Fonte: Elaborado pela estudante Raissa Cristina do 3º ano de Administração - IFAM/Maués (2021).
Por fim, o manejo de recursos da internet e transformados em ferramentas didáticas pelos (as) professores (as), como no caso aqui específico, pode corroborar na construção do processo de aprendizagem de forma dialógica, ativando o interesse de estudantes sobre o tema, ao mesmo tempo em que instrumentaliza-os (as) para uma atuação mais produtiva com os diversos componentes existentes nas plataformas digitais e que lhes são familiares.
O exercício que proponho é trabalhoso, entretanto, significativo! É o nosso papel!
Autor do texto: Filipe Arnaldo Cezarinho, Professor de História do IFAM-Maués e doutorando em História pela UFRRJ.
E-mail para contato: filipe.cezarinho@ifam.edu.br
Referências
ANDRADE, Alessandra Michele Alvares. Memes históricos: uma ferramenta didática nas aulas de História. 2018. 129 f. Dissertação – Mestrado Profissional em História) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes, 2018.
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular. Ministério da Educação, 2018.
BRASIL. Matriz de referência do ENEM. Ministério da Educação. [sem data]. Disponível em: https://download.inep.gov.br/download/enem/matriz_referencia.pdf. Acesso em: 16 ago. 2021
MISKOLCI, Richard. Sociologia digital: notas sobre pesquisa na era da conectividade. Contemporânea, v. 6, n. 2, p. 275-297, jul./dez. 2016.
SILVA, Diego Leonardo Santana. Os memes como suporte pedagógico no Ensino de História. Periferia, v. 11, n. 1, p. 162-178, jan./abr. 2019.